Perfil
Malam Bacai Sanhá: Um político moderado que cresceu com o PAIGC
30.07.2009 - 08h49 João Manuel Rocha
Um episódio vivido aos 15 anos, quando viu o pai ser preso e morto pela polícia política portuguesa, a PIDE, marcou o trajecto de Malam Bacai Sanhá, muçulmano de etnia beafada, ontem proclamado Presidente, aos 62 anos. Estava-se em Agosto de 1962, no Sul da Guiné, e a luta armada pela independência só começaria no ano seguinte.Foi nessa altura que o jovem Malam, filho de camponeses, natural de Empada, que muitos anos depois identificou esse como um momento marcante da sua vida, aderiu ao PAICG. O próximo chefe de Estado cresceu com o partido fundado nos anos 1950 por Amílcar Cabral, e a sua história de vida cruza-se com a do partido, ainda que não tenha a aura de líder militar que Nino Vieira ostentava. "Tem um trato agradável, não tem ostentações de riqueza, fez um bom papel como Presidente interino", afirma Eduardo Costa Dias, professor do ISCTE e investigador de estudos africanos, que alerta para o risco de expectativas muito elevadas. "Não se lhe pode pedir demais. A tarefa é muito grande", diz.Nos tempos da luta armada, Bacai Sanhá trabalhou sobretudo na área da educação, nas matas do Sul. Em 1971 foi estudar para a ex-RDA, onde se licenciou em Ciências Sociais e Políticas. Uma vez regressado, foi subindo degraus na hierarquia partidária e do Estado: secretário do PAICG em Bafatá, governador de Gabu, ministro residente na província do Leste, secretário--geral da única central sindical que existiu até 1990. Na década seguinte foi ministro da Informação e Comunicações, ministro da Função Pública e do Trabalho, presidente da primeira Assembleia Nacional multipartidária e chefe de Estado interino, entre Maio de 1999 e Fevereiro de 2000, depois da rebelião militar que afastou Nino.Com um tal percurso não foi surpresa a sua candidatura às presidenciais de 1999-2000. Tinha a seu favor a experiência e a imagem de alguém com mãos limpas de sangue de adversários políticos. Mas era o candidato do sistema, associado às más opções de governação do PAICG e à crise que levou ao afastamento de Nino, de quem fora "pessoa de confiança", como admitiu. Além disso, os ventos sopravam de feição a Kumba Ialá, que se perfilava como protagonista da "mudança" e foi facilmente eleito.Cinco anos depois, Sanhá voltou a tentar a eleição. E esteve bem perto do triunfo. Porém, na segunda volta, o regressado Nino, que concorreu como independente, embora com fidelidades no partido histórico, recebeu o apoio de Ialá e voltou a adiar o sonho do antigo camarada. Ainda assim, o agora eleito Presidente acreditava que a sua hora haveria de chegar. Num texto biográfico divulgado pela sua candidatura, antes destas eleições, Sanhá atribuiu as derrotas de 2000 e 2005 não à "falta de mérito" próprio, mas a uma decisão de "adiar o futuro" de um povo. "Há-de chegar o dia. Estaremos juntos. Desta vez chegaremos ao palácio", disse, já este ano, quando as preferências da cúpula do PAICG pareciam ir para Raimundo Pereira, Presidente interino após a morte de Nino.Quem conhece o próximo chefe de Estado confirma-lhe a modéstia, atestada por comportamentos e afirmações. Como a que fez ao PÚBLICO, em 1999, ao comentar a designação de "novo pai da nação", que um locutor da Rádio Voz da Junta Militar usou então para se lhe referir, recuperando um tratamento antes dispensado a Nino. "Não concordo e nem corresponde a nada. Havendo um pai da nação seria Amílcar Cabral, o fundador da nacionalidade guineense e cabo-verdiana. Não podemos deturpar a História... 'Nino' aceitava esta designação porque assim se autoproclamou... mas está errado...", reagiu.Com um currículo que lhe colou a etiqueta de "candidato do sistema", o novo Presidente é visto como um moderado, capaz de tomar "decisões de conciliação". "É um tipo pachola, um bom homem, tem imensa boa vontade, embora nem sempre se tenha rodeado das melhores pessoas. Gosta de evitar conflitos. Penso que trabalhará bem com [o primeiro-ministro] Carlos Gomes", afirma Costa Dias. Terá sido essa imagem que levou a maioria dos eleitores, cansados de instabilidade e violência, a preferirem-no desta vez ao imprevisível Ialá. Para Bacai Sanhá, "hora tchica": é a hora.
Malam Bacai Sanhá: Um político moderado que cresceu com o PAIGC
30.07.2009 - 08h49 João Manuel Rocha
Um episódio vivido aos 15 anos, quando viu o pai ser preso e morto pela polícia política portuguesa, a PIDE, marcou o trajecto de Malam Bacai Sanhá, muçulmano de etnia beafada, ontem proclamado Presidente, aos 62 anos. Estava-se em Agosto de 1962, no Sul da Guiné, e a luta armada pela independência só começaria no ano seguinte.Foi nessa altura que o jovem Malam, filho de camponeses, natural de Empada, que muitos anos depois identificou esse como um momento marcante da sua vida, aderiu ao PAICG. O próximo chefe de Estado cresceu com o partido fundado nos anos 1950 por Amílcar Cabral, e a sua história de vida cruza-se com a do partido, ainda que não tenha a aura de líder militar que Nino Vieira ostentava. "Tem um trato agradável, não tem ostentações de riqueza, fez um bom papel como Presidente interino", afirma Eduardo Costa Dias, professor do ISCTE e investigador de estudos africanos, que alerta para o risco de expectativas muito elevadas. "Não se lhe pode pedir demais. A tarefa é muito grande", diz.Nos tempos da luta armada, Bacai Sanhá trabalhou sobretudo na área da educação, nas matas do Sul. Em 1971 foi estudar para a ex-RDA, onde se licenciou em Ciências Sociais e Políticas. Uma vez regressado, foi subindo degraus na hierarquia partidária e do Estado: secretário do PAICG em Bafatá, governador de Gabu, ministro residente na província do Leste, secretário--geral da única central sindical que existiu até 1990. Na década seguinte foi ministro da Informação e Comunicações, ministro da Função Pública e do Trabalho, presidente da primeira Assembleia Nacional multipartidária e chefe de Estado interino, entre Maio de 1999 e Fevereiro de 2000, depois da rebelião militar que afastou Nino.Com um tal percurso não foi surpresa a sua candidatura às presidenciais de 1999-2000. Tinha a seu favor a experiência e a imagem de alguém com mãos limpas de sangue de adversários políticos. Mas era o candidato do sistema, associado às más opções de governação do PAICG e à crise que levou ao afastamento de Nino, de quem fora "pessoa de confiança", como admitiu. Além disso, os ventos sopravam de feição a Kumba Ialá, que se perfilava como protagonista da "mudança" e foi facilmente eleito.Cinco anos depois, Sanhá voltou a tentar a eleição. E esteve bem perto do triunfo. Porém, na segunda volta, o regressado Nino, que concorreu como independente, embora com fidelidades no partido histórico, recebeu o apoio de Ialá e voltou a adiar o sonho do antigo camarada. Ainda assim, o agora eleito Presidente acreditava que a sua hora haveria de chegar. Num texto biográfico divulgado pela sua candidatura, antes destas eleições, Sanhá atribuiu as derrotas de 2000 e 2005 não à "falta de mérito" próprio, mas a uma decisão de "adiar o futuro" de um povo. "Há-de chegar o dia. Estaremos juntos. Desta vez chegaremos ao palácio", disse, já este ano, quando as preferências da cúpula do PAICG pareciam ir para Raimundo Pereira, Presidente interino após a morte de Nino.Quem conhece o próximo chefe de Estado confirma-lhe a modéstia, atestada por comportamentos e afirmações. Como a que fez ao PÚBLICO, em 1999, ao comentar a designação de "novo pai da nação", que um locutor da Rádio Voz da Junta Militar usou então para se lhe referir, recuperando um tratamento antes dispensado a Nino. "Não concordo e nem corresponde a nada. Havendo um pai da nação seria Amílcar Cabral, o fundador da nacionalidade guineense e cabo-verdiana. Não podemos deturpar a História... 'Nino' aceitava esta designação porque assim se autoproclamou... mas está errado...", reagiu.Com um currículo que lhe colou a etiqueta de "candidato do sistema", o novo Presidente é visto como um moderado, capaz de tomar "decisões de conciliação". "É um tipo pachola, um bom homem, tem imensa boa vontade, embora nem sempre se tenha rodeado das melhores pessoas. Gosta de evitar conflitos. Penso que trabalhará bem com [o primeiro-ministro] Carlos Gomes", afirma Costa Dias. Terá sido essa imagem que levou a maioria dos eleitores, cansados de instabilidade e violência, a preferirem-no desta vez ao imprevisível Ialá. Para Bacai Sanhá, "hora tchica": é a hora.
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